sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O machismo foi criado pelas mulheres - parte 11 (ou: Direita cristã, acabou! - parte 32): um caso do começo do século XX no Brasil

O caso

Paula Felix

17 de agosto de 2017 às 18:34

Nessas últimas férias minha mãe me contou uma história da vovó Sinhá que eu ainda não tinha ouvido, e que é emblemática do status ambíguo de que gozavam as esposas no norte-nordeste do Brasil há quase um século.

Contou minha mãe que chegou à Àgua Branca uma nova professora, jovem e bonita, para cuja homenagem a cidade fez uma recepção. Àquela altura meu bisavô Leônidas e minha bisavó Sinhá eram uma família bem sucedida no comércio, e não poderiam não estar presentes, mas minha bisavó conhecia bem a peça que tinha em casa, e ao interceptar a primeira troca de olhares, entendeu a missa pelo terço.

Passou o tempo.

Vovó Sinhá, e isso eu herdei dela, adorava cavalos, e acontece que meu bisavô tinha, pela época, um belo garanhão que machucara o joelho e que, diante da ferida que não sarava, ele resolvera sacrificar. Vovó Sinhá, porém, pediu pra si o bicho, de quem gostava. Ela dominava aquelas artes curativas com sal, ervas, vinagre e azeite nas quais todas as mães àquela época sem hospitais e farmácia tinham que ser versadas, e que por algum milagre funcionavam sem transformar os filhos em salada. Ela amarrou o animal sob uma árvore na lateral da casa, de frente para a rua, e pela manhã e á tardinha ia, com um empregado e uma bacia de salmoura morna, lavar, pensar e trocar o curativo do cavalo.

Estava lá ela, numa tarde, lavando a ferida quando passou, bela e faceira pela sua calçada, a tal professora. Já restava pouca água no balde, e então vovó Sinhá pediu ao criado que fosse buscar mais no fogão. Quando ele voltou, ela terminou de lavar a pústula e ficou por ali, o balde cheio de salmoura quente, com sangue, pus e azeite, como quem não quer nada a não ser matar uns minutos da dura faina do dia. Estava esperando.

E a bela professora não a decepcionou: em poucos minutos veio descendo a rua, de novo pela sua calçada. A pontaria da dona Sinhá, igualmente, não decepcionou, e o conteúdo do balde foi desejado inteiro sobre a mulher, com o recado:

- Puta não passa pela minha calçada!

A professora, furibunda, embora mais jovem, não quis partir para a briga, mas correndo pra casa, mandou avisar meu bisavô, que se fez de surdo. Inconformada, chamou seu irmão e mandou-o ir ao comércio de minha família, tirar satisfação. O rapaz foi, só para ouvir de vovô Leônidas:

- Sinhá é minha esposa, e sua irmã é minha rapariga. As coisas são como ela disse: puta não anda na calçada dela.

PS - O cavalo ficou bonzinho!

https://www.facebook.com/ppffcosta/posts/1713356368677197

Meus comentários

1) Falta de sexo enlouquece e destrói a integridade moral. Ainda mais se vem junto com a inveja.

2) Há 100 anos, o Feminismo já existia: era a Primeira Onda, conservadora, pró-família. Logo, a agressora da suposta prostituta era uma feminista.

3) A bisavó Sinhá não viu o Feminismo mudar de lado 40 ou 50 anos depois, justamente para destruir o mundo católico-protestante semianalfabeto que ela conheceu. Então, de nada adiantou os filhos dela matarem prostitutas e censurarem tudo que lhes soasse indecente: os netos dela viram a pornografia comercial surgir, mesmo marginalizada, o bisneto dela perdeu uma prefeitura do interior para o Partido dos Trabalhadores e a trisneta dela participou da Marcha das Vadias. Uma feminista de hoje, anticonservadora, diria à bisavó Sinhá que é uma das bruxas que ela não conseguiu queimar.

4) E três gerações depois, o Norte-Nordeste do Brasil foi o grande responsável por dar ao Brasil o nosso primeiro presidente socialista, ou o mais perto disso, depois do governo militar. E também por nos dar a primeira mulher lesbofeminista na Presidência da República. Os sertanejos nunca souberam o que era um gulag soviético ou como foi a fome da Cuba socialista, o que eles conheciam, e não queriam trocar o duvidoso pelo certo, era a vida de semiescravo da família da bisavó Sinhá. Eles também nunca descobriram que algumas feministas pregam que o sexo hétero é estupro ou que as mulheres que gostam de homem se desvalorizam, se eles vissem as palavras de uma delas e um caso como o da bisavó Sinhá, perguntariam qual a diferença.

5) E bisavó Sinhá nunca entenderia (a bisneta Paula Félix, com muito melhor cultura, também não entendeu) por que Dilma Rousseff durou quase dois anos em um segundo mandato que ela nem ganhou sob os maiores protestos da história do Brasil. Quando o Conservadorismo pareceu à maioria das mulheres que deixou de ser vantajoso, elas apoiaram a esquerda. Quando o PT trouxe Bolsa Família e cotas em universidades para os miseráveis do Norte-Nordeste, não havia chance para mais ninguém. Quando os aliados do PT começaram a trazer cada vez mais problemas e menos soluções às mulheres do povo de verdade, elas protestaram.

Mulheres de direita. Mulheres de esquerda. Compartilhado no grupo Feminismo Autozoativo.

"Mulheres de direita. Mulheres de esquerda." (compartilhado em https://www.facebook.com/photo.php?fbid=110554126335628&set=gm.682249965310137)

6) Doze horas antes, eu comentava um meme que dava a entender que as mulheres de direita são bonitas e elegantes e as mulheres de esquerda são feias e bizarras: "Mulheres de direita: são lindas demais para os homens e acham que sexo é pecado. Mulheres de esquerda: não precisam agradar os homens e acham que sexo é estupro". Aqui, vemos uma mulher jovem e bonita sendo agredida por uma mulher conservadora e eu confirmo: a beleza da mulher é virtude até ela parecer que oferece sexo decente aos homens.

7) Hoje, uma pessoa mediana ouve um caso desses e sente vergonha alheia, ele ou ela não acha que é uma crônica de um paraíso perdido. Porque, afinal, o mundo rural e analfabeto católico-protestante não lhe interessa mais.

Abigail Pereira Aranha

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