sábado, 21 de dezembro de 2019

A Sociedade dos Garotos - parte 8: sou um homem antifeminista e não defendo mulher nenhuma, exceto as da minha família

Abigail Pereira Aranha

Eu vi alguns comentários de rapazes antifeministas nos últimos 3 meses como este: "Defendo sim. As mulheres da minha família: mãe, esposa, irmãs. As outras? Q se f...!". O problema em um comentário como esse é que boa parte do antifeminismo deste homem está perdida, e o que sobra é essencialmente revolta de um rapaz interiorano católico-protestante do século XIX contra a rejeição sexual das moças alfabetizadas da cidade grande do século XXI.

E o rapaz se acha um guerreiro contra o Feminismo quando defende apenas as mulheres da própria família. Rapaz, vamos à Bíblia. Por que Simeão e Levi exterminaram os siquemitas? Gn 34. Por que Potifar fez José do Egito ser preso? Gn 39: 7 a 20. Por que Absalão mandou matar Amnon? 2Sm 13: 1 a 29.

O Feminismo surgiu onde e porque ele foi viável, não porque ele tinha a necessidade que o movimento diz ter. O Ativismo de Direitos Humanos dos Homens e, recentemente, o antifeminismo conservador feminino (na verdade, um feminismo conservador contra o feminismo de esquerda), esses sim surgiram pelas necessidades que afirmam. Se estão certos o movimento dos homens sobre o ginocentrismo e o antifeminismo conservador feminino sobre a dominância do feminismo esquerdista anticristão, é coerente que a "mainstream media" só lhes dê espaços esporádicos a contragosto ou com más intenções. Do outro lado, o feminismo de esquerda está destruído como ideia sã quando uma senhora sem feminilidade fala que o Brasil é machista e assassino de mulheres em um programa de domingo à tarde na Rede Globo. Mas não é improvável para a maioria dos homens ter o pensamento de que uma prova de que os homens acham aceitável agredir mulheres sem motivo é uma mulher com pouca visibilidade no Facebook dizer que falsas denúncias de violência existem (isso aconteceu comigo). Assim como o pensamento de que um homem que reage fisicamente a uma agressão física de uma mulher fez uma agressão injustificável contra uma musa frágil e angelical. Assim como o pensamento de que campanhas governamentais e de organizações privadas contra a violência contra a mulher existem e são veiculadas nos maiores veículos de comunicação de massa do país porque a sociedade acha essa violência aceitável. Isso acontece porque os nossos padrões de pensamento podem sobrepujar as inferências lógicas dos dados da observação direta principalmente quando temos preguiça ou medo suficiente para entender uma projeção de burrice e preconceito sobre dados reais como se fosse a visão direta da própria realidade.

Um homem defender as mulheres da família é um homem fazer aquilo para o que a família foi feita. Mais: isso é, segundo o que ele aprendeu, um homem fazer aquilo para que O HOMEM existe. E onde ele aprendeu isso? A televisão é de meados do século XX. O movimento feminista e o movimento socialista são de meados do século XIX. Séculos antes disso, tivemos aqueles casos bíblicos que eu lembrei. Se você não crê na Bíblia (eu mesma sou ateia), você ainda crê que aqueles casos foram gravados no primeiro milênio antes de Cristo; e você crê que as ideias da Bíblia são a visão de mundo da época e do lugar em que a Bíblia foi escrita.

Você ouvirá por aí que a mulher só começou a ser respeitada depois do Cristianismo. Mas a própria Bíblia cita pelo menos duas divindades femininas pré-cristãs: a Rainha dos Céus, dos babilônios, em Jr 44: 15 a 19 e Diana, dos gregos, em At 19: 24 a 41. Mas isso é mais que uma lenda de provincianos ufanistas desinformados. Isso é um exemplo de que quando você acredita que nasceu para lutar contra um mal, como os homens criados em uma família cristã acreditam que nasceram para proteger as mulheres dos perigos e dos desconfortos, você pode lutar mesmo quando o mal não existe.

Por que muitos homens defendem a pena de morte ou mesmo a execução extralegal para crimes sexuais de homens contra mulheres se estes não são crimes contra a vida? E aquele homem antifeminista "só defendo uma mulher se ela for da minha família", ele seria prudente considerando a possibilidade de essa mulher estar fazendo uma falsa acusação? Ou ele iria atrás do acusado pronto para ser um novo Potifar ou um novo assassino de Emmett Till? Mas naquele tempo em que homens matavam ou morriam para defender esposas, mães ou meio-irmãs, a proteção se invertia quando elas tinham vida sexual fora do casamento por iniciativa própria: Lv 21: 9 e Dt 22: 13 a 24. Se eu tivesse nascido naquela época, eu não chegaria a 309 homens (que inclusive era mais que os homens da população de algumas cidades). Melhoramos muito, mas nos mesmos Estados Unidos onde nasceram tanto o Feminismo quanto as reações masculinas a ele, já houve proposta de que uma mulher que tenha camisinhas na bolsa seja presa por prostituição, que lá é crime. Por quê? A família judaico-cristã tradicional não foi criada apenas para proteger a integridade física das mulheres em perigos reais e para sustentá-las, também foi feita para protegê-las da heterossexualidade masculina. Por uma certa confusão mental induzida por este modelo, os homens encarregados desta proteção passaram a tratar sua própria heterossexualidade e a dos outros homens como desprezível, clandestina e criminosa.

Mas vários homens de comunidades antifeministas já cometeram um ato falho: eles disseram que não adianta ser um homem do estilo antigo para uma mulher moderna. Eles confessam que as mulheres mudam e rejeitam coisas arcaicas à medida em que a sociedade progride, enquanto eles mesmos só não continuam iguais porque isso é inviável hoje. Mas essa "mulher moderna" é apenas a jovem entre uns 14 e 30 anos com beleza pelo menos 6/10 que não é cristã tradicional fervorosa ou uma mulher mais velha ou mais feia, às vezes religiosa, que segue ideias lesbofeministas. Mulheres com rosto e corpo semimasculinos, desconfortáveis de presença, geralmente cristãs idosas ou de meia-idade, esses homens não as criticam e até mesmo têm um respeito moderado por elas, especialmente quando elas pregam contra uma não-castidade fictícia ou aumentada de alguma mulher que tem a beleza e o sucesso que elas gostariam de ter. Essa é a mulher-tipo das próprias mães ou avós desses homens.

O meio conservador não tem nem no seu círculo mais culto duas noções que, na esquerda, não faltam nem entre os secundaristas: a História não dá saltos e o futuro é resultado das ações (ou falta delas) do passado e do presente. Não é surpreendente encontrar um homem antifeminista conservador que pensa que o Feminismo começou com um alvoroço de lésbicas malucas na década de 1960. Não por acaso, os conservadores querem defender a família para combater o esquerdismo em geral e o Feminismo em particular sem saber por que este último explodiu quando a maioria da população do país ainda era católico-protestante. E sem associar as famílias tradicionais de antes do século XX ao chamado "cavaleiro branco", que é o homem que defende qualquer mulher só por ser mulher.

domingo, 15 de dezembro de 2019

Três níveis abaixo da mentira

Abigail Pereira Aranha

Existe um nível intelectual e até de dignidade humana mais baixo que a vida em torno da defesa da mentira? Sim, e é um nível mais baixo que crer sinceramente na mentira como se fosse verdade.

Uma região de nível regular de desenvolvimento para os padrões de um país do Terceiro Mundo tem uma vantagem em termos intelectuais, culturais, morais e até psiquiátricos: deixar mais visíveis coisas desprezíveis que a feiura, a baixa escolaridade, a velhice, a doença ou o fracasso socioeconômico podem deixar mais feias. Vantagem se você tiver, além de integridade mental, as condições para não ser oprimido ou levado você mesmo para a miséria geral, como seu próprio dinheiro, sua própria casa ou contato físico com áreas geográficas melhores.

A defesa da mentira exige pelo menos três coisas: conhecimento da verdade, conhecimento das pessoas para quem a mentira vai ser dita e um resultado prático pretendido. Portanto, a defesa de uma mentira exige uma presença no mundo real com alguma inteligência.

Mas até a mentira organizada está acima do nível mental normal das populações dos países e das regiões de nível moral e cultural baixo (e onde os índices socioeconômicos pobres costumam ser apenas consequência), especialmente onde representantes da mediocridade geral já estiveram ou ainda estão nos cargos políticos formais. Nesses lugares, um sem-número de vigaristas deveram ou ainda devem a uma corrente espúria de política e pensamento específica não apenas um status social, mas até a possibilidade de ter um emprego. Mas um número muito maior de pessoas do povo devem a essa mentira desde alguma possibilidade para um dia-a-dia menos miserável (inclusive economicamente) até a fuga do encontro humilhante com algo superior mesmo quando a mentira que apoiam é causa notória da sua própria pobreza.

O primeiro nível abaixo da vida em torno da mentira é o ódio à verdade e à grandeza. Não é mentira compulsiva. É transformar o que é nobre, justo ou bonito em como se fosse um desafeto pessoal. Isso também não chega a ser inveja das pessoas com grandeza de espírito. O invejoso tem desejo ou apreciação pelo que o invejado tem, e a pessoa neste nível não chega ao ponto nem de considerar a verdade ou a grandeza de uma pessoa como algo respeitável.

O segundo nível abaixo da vida em torno da mentira é a guerra ao mundo real. Porque a guerra à grandeza foi perdida. Aqui, o próprio mundo real é um problema em si. Pelo que podemos ver na Bíblia, o próprio Diabo ainda estaria neste nível, já que ele quer mudar a criação de Deus para alguma outra coisa no seu próprio estilo. Mas para isso, ele ainda precisa agir dentro do mundo real. A parte má da militância socialista funcional está neste nível também. Mas ainda há um nível em que nem eles chegam.

O terceiro nível abaixo da vida em torno da mentira é a guerra à sanidade mental. A guerra contra o mundo real foi perdida. Resta a essa pessoa atacar a sensatez, a inteligência, o senso de proporções e o senso do ridículo. A pessoa pode tentar fazer isso em pessoas sob sua influência, em especial crianças dependentes, mas faz isso em primeiro lugar em si mesma. A pessoa se torna doente mental no sentido técnico. Mas isso não significa que seja uma pessoa inofensiva, porque essa pessoa, dentro da doença mental e moral, ataca o mundo real. Uma mulher desequilibrada que agride fisicamente e quebra objetos em uma discussão estúpida é um exemplo desse nível.

Por exemplo, uma lésbica começa com a mentira de uma injustiça contra a homossexualidade feminina, vai para o primeiro nível com uma aversão aos homens e às mulheres heterossexuais, para o segundo nível com a guerra contra a visão predominante da heterossexualidade como biologicamente normal (ela rebaixa o fato biológico a um fato sociocultural que, mesmo reconhecido, pode ser trabalhado) e para o terceiro nível com a declaração de que ela mesma, visualmente e comportamentalmente repulsiva, é uma mulher poderosa e sexualmente desejável.

A vida nacional brasileira em geral desde a eleição de Lula para a Presidência da República é um exemplo desses três níveis. Também é um sinal de que mesmo que a imagem do terceiro nível seja uma periferia deprimente de residências de pessoas feias e fracassadas, uma comunidade como essa tem uma importância sociopolítica que não pode ser ignorada. Especialmente quando políticas como o sistema de cotas sociorraciais e o voto dos analfabetos podem introduzir a pobreza de espírito onde é mais desejável que ela não esteja. Lula foi reeleito depois da denúncia do Mensalão com ainda mais votos que para o primeiro mandato e conquistou ainda mais votos para uma irrelevância chamada Dilma Rousseff porque naquela altura, milhões de pessoas passaram a dever suas vidas socioeconômicas, desde um bom cargo no serviço público até um benefício do Bolsa Família, ao sistema político-administrativo do governo PT. As universidades, a imprensa, a produção artística-cultural, o serviço público e mesmo grandes empresas privadas se aproximaram do povo no sentido pejorativo, no sentido da representatividade do medíocre. Isso realmente só podia ser feito por pessoas que já estavam em posições de poder ou decisão, para interesses pessoais, grupais ou ideológicos. Mas a base popular existiu e foi importante, o suficiente para fazer toda a tragédia, pelo menos no começo e por enquanto, através dos meios normais de uma democracia formal. E como comprovaram as vitórias eleitorais do PT depois das denúncias do Mensalão e do Petrolão (esquemas feitos, portanto, enquanto o partido não estava dedicado a fazer um governo formidável, como a crise posterior confirmou), uma nação que está nesses três níveis abaixo da mentira pode continuar ou se aprofundar nesse processo de degradação inclusive ou talvez principalmente quando paga caro pela guerra contra a verdade e a grandeza até mesmo nas partes, digamos, menos intelectuais do seu cotidiano.

O problema que eu descrevo aqui também acontece nas alas políticas liberal e conservadora. Também acontece na comunidade cristã tradicional. Também acontece no Primeiro Mundo. Mas a esquerda da década de 2010 especialmente no Brasil e nos Estados Unidos, e mais ainda as populações alienadas influenciadas ou favorecidas por essa esquerda, ajudam a nos mostrar esse problema de uma forma visual impressionante. Por exemplo, o perfil no Facebook de uma típica mulher feminista ou cristã de hoje mostra um não dar-se a obrigação de merecer respeito que uma mulher de meados do século XX ainda se dava, mesmo quando ela era semianalfabeta, psiquiatricamente instável e simpatizante da violência policial-jurídica contra ateus e mulheres profissionais do sexo.

Talvez você tenha notado, mas digo aqui mais diretamente: o Brasil em geral ainda tem que melhorar muito no sentido clínico (nem é no sentido intelectual) para que uma pessoa intelectualmente qualificada possa entrar em um debate intelectual e correr o risco de encontrar no mínimo um trapaceiro. Por sinal, foi um erro meu quando pensei, desde 2006, que qualquer exposição de ideias feita por uma garota desconhecida geraria debates ou pelo menos atrairia atenção de um número significativo de pessoas desde que fosse razoavelmente lúcida. O trabalho só não foi perdido porque eu o deixei na internet e ele foi achado por outros anônimos aqui e ali que estavam tão sedentos de ver manifestações de integridade mental quanto eu mesma. Bom, alguns rapazes procuravam putaria e me descobriram, mas gostar de licenciosidade (na teoria e na prática) também significa uma certa integridade moral e mental.

Eu ainda estou tentando entender como enfrentar este problema, mas quatro coisas eu entendi. 1) o nível a ser confrontado é sempre o último, porque a derrota em um nível leva ao nível mais baixo. 2) para cada pessoa com integridade moral e mental, confrontar pessoas no terceiro nível no contexto nacional, no contexto regional ou mesmo na internet é essencialmente o mesmo que confrontar pessoas no mesmo nível no ambiente próximo no mundo físico. 3) esse confronto envolve aumento de poder pessoal, em especial quando a pessoa em questão é da própria família (e lembro que poder pessoal é autonomia sobre a própria vida no sentido individual, e isso inclui a capacidade de se livrar do poder negativo de outras pessoas). 4) visto que fazer a própria presença desagradável faz parte do poder de ação limitado dessas pessoas, o confronto envolve bom humor e ridicularização dessas pessoas no nível rasteiro da presença delas no mundo físico, e não no nível de conversa sã e inteligente com pessoas mentalmente saudáveis.

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