terça-feira, 5 de maio de 2015

O fim dos direitos humanos

Abigail Pereira Aranha

No mês passado, tivemos no Brasil aquele caso da travesti Verônica agredindo a vizinha[1], e aquilo foi só uma encenação caricata do ponto em que chegamos: os seres humanos, em termos sociopolíticos, foram extintos. Aliás, foi-se o tempo em que os antiesquerdistas tinham de se preocupar com as comissões de Direitos Humanos. Hoje em dia, seres humanos somos nós, antissocialistas e trabalhadores honestos, sem representação no governo fora poucos indivíduos.

No exemplo daquele caso, em quase todas as abordagens que foram feitas, ou foi uma idosa agredida por um homem (que até LGBT deixou de ser), ou foi um travesti agredido por policiais. Em ambas, não havia seres humanos envolvidos. Na segunda abordagem, há a corrente nas redes sociais #SomosTodasVeronica tratando a tal Verônica como vítima da violência da homofobia e da polícia, mas só nós antissocialistas comentamos sobre outro travesti agredido pelo primeiro exatamente enquanto protegia a senhora idosa.

Ah, e aqui eu esclareço uma ironia que eu faço desde o ano passado sobre o então projeto de lei contra o feminicídio e que alguns feministas parecem não ter entendido: que esta lei faria matar uma mulher pior do que matar um ser humano. No mês anterior, foi aprovada esta lei. A própria justificativa diz que entre 2000 e 2010, 43,7 mil mulheres foram assassinadas no Brasil[2]. Mas no mesmo período, a média de assassinatos de homens em um único ano foi perto disso. Isso significa que matar uma mulher, para os esquerdistas no poder, é realmente pior que matar um ser humano.

No Brasil, já temos delegacias específicas para mulheres, para idosos e até para LGBT's, motivadas por 300 e poucos assassinatos de homossexuais por ano. Logo, quando ocorrer uma agressão, temos que saber se foi de um homem contra uma mulher, de um branco contra um negro, de um heterossexual contra um homossexual, de um jovem contra um idoso, de um adulto contra um adolescente. Porque a violência contra seres humanos está em extinção. Temos de saber isso para determinar para qual delegacia levar o caso entre várias delegacias diferentes. Para de lá ser julgado segundo um conjunto de leis entre vários diferentes e receber uma sentença que seria diferente se agressor e vítima fossem trocados. O artigo da nossa Constituição que diz que todos são iguais perante a lei já foi pro saco.

Mas isso não é só na área criminal. Vejamos os ônibus da nossa rotina casa-trabalho (alguns brasileiros que são contra o governo PT usam o transporte coletivo, hehehehe): eles têm assentos reservados para idosos e deficientes físicos, e o motorista não dá partida no veículo até que esses passageiros estejam bem acomodados. E estes passageiros, mais os acompanhantes dos deficientes físicos e mentais, não pagam passagem. E os passageiros seres humanos podem passar a viagem metade deles em pé, por mais de uma hora, mais de quatro deles em um metro quadrado, sacudidos em cada curva, freada ou arrancada, tudo isso pagando uma passagem que pode passar de um dólar. E enquanto as empresas de ônibus têm metas de veículos com elevadores para deficientes, as reclamações dos usuários pagantes costumam ser ignoradas até pelos técnicos planejadores do sistema de transporte coletivo.

Nossa, como fui me esquecer? O vereador de Fortaleza Carlos Dutra, de um partido aliado ao governo federal, o PROS, fez um projeto de lei tornando os assentos dos ônibus da cidade todos preferenciais também para mulheres[3]. E em outras cidades do Brasil e do mundo desenvolvido, já existem ônibus, vagões e trens exclusivos para mulheres. Mais dignidade para as mulheres, menos dignidade para os seres humanos.

Os ativistas do mundo onde os homens são inimigos das mulheres, os brancos são inimigos dos não-brancos, os heterossexuais são inimigos dos homossexuais, são eles mesmos sociopatas ou sem humanidade, tanto os que têm algum projeto de poder quanto o séquito desses. Por isso, não apenas eles não conseguem pensar em seres humanos vivendo em união, eles também não levam a sério os próprios grandes grupos em que eles dividiram a humanidade. Isso é visível em quatro situações. A primeira, por exemplo, é que os feministas ignoram ameaças de agressão, de morte e de estupro contra mulheres antifeministas, isso quando não as fazem eles mesmos. A segunda, por exemplo, é que um grupo de lésbicas negras pode "xingar" um gay militante esquerdista que discorda delas de homem e branco[4]. A terceira é que os ativistas do bem são os mesmos da misantropia mal disfarçada de ambientalismo. Por exemplo, os amigos brasileiros já viram a campanha para economizar 30% de água e de energia elétrica? A população do Brasil foi de 143,3 milhões em 1990 para 186,5 milhões em 2010. Isso dá um aumento de cerca de 30% em 20 anos. Do primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso até hoje, também são 20 anos, juntando o governo federal do PT com o da oposição fajuta PSDB. Não são umas coincidências interessantes?

Pelos três casos anteriores, a democracia como decisão da maioria e respeito à minoria vencida não pode significar grande coisa para estes humanistas. Isso nos leva à quarta situação: os ativistas de esquerda podem ser contrariados pelos supostos representados e dar de ombros, mesmo em uma democracia formal. Dois casos. No primeiro, "Maioria da População Brasileira é CONTRA o Projeto de Lei que Tipifica o Feminicídio"[5]. No segundo, a matéria da Tribuna do Ceará sobre aquele projeto de lei que determina assentos preferenciais para mulheres nos ônibus de Fortaleza tem uma enxurrada de comentários de mulheres contrárias ao projeto, e algumas dessas mulheres contrárias respondem a outras mulheres feministas que são a favor[6]. Pensando bem, vou dar mais um caso, quem não é do Brasil talvez não acredite que eu esteja falando sério: depois de uma pesquisa em que apenas 7% da população aprovava o governo da (ainda) presidente Dilma Rousseff e às vésperas do último grande protesto de rua em centenas de cidades do país (12 de abril), o governo faz uma campanha publicitária dizendo que os que iriam às ruas não estavam satisfeitos com 36 milhões de brasileiros saírem da pobreza. Estes 36 milhões são 18% da população brasileira, portanto, segundo o Partido dos Trabalhadores, 22 milhões de brasileiros ex-pobres estavam, como diríamos no Brasil, cuspindo no prato em que comeram.

Não é que nós fomos desumanizados. É que ser um ser humano agora é pouco.

NOTAS:

[1] Os leitores não-brasileiros podem ver o caso em http://noticias.r7.com/sao-paulo/eu-abri-a-porta-e-ela-disse-que-ia-me-matar-diz-idosa-agredida-por-travesti-em-sao-paulo-22042015.

[2] "Lei do Feminicídio será sancionada nesta segunda-feira, diz Dilma", Agência Brasil, 08 de março de 2015, http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-03/dilma-diz-que-lei-do-feminicidio-sera-sancionada-amanha.

[3] "Mulheres, obesos, idosos e deficientes terão preferência em todos os assentos de ônibus", Tribuna do Ceará, Fortaleza, 27 de junho de 2014, http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/cotidiano-2/mulheres-obesos-idosos-e-deficientes-terao-preferencia-em-todos-os-assentos-de-onibus.

[4] O leitor pode ver um caso em https://www.youtube.com/watch?v=_-Z-EPGpbnk.

[5] O amigo Charlton Heslich Hauer comenta isso em http://sexoprivilegiado.blogspot.com.br/2014/01/maioria-da-populacao-brasileira-e-contra-o-projeto-de-lei-que-tipifica-o-feminicidio.html.

[6] Eu fiz uma seleção em http://avezdasmulheres.blog.com/2014/06/29/assentos-preferenciais-para-mulheres-nos-onibus-de-fortaleza.

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