terça-feira, 19 de novembro de 2019

O fim de Jair Bolsonaro e Donald Trump

Abigail Pereira Aranha

1) Introdução

A disputa entre esquerdistas e conservadores no Brasil e nos Estados Unidos é entre sociopatas semianalfabetos que não sabem por que perderam a última eleição e provincianos não muito menos analfabetos que não sabem por que ganharam. Daí, me arrisco em uma previsão: Jair Bolsonaro não vai conseguir a reeleição em 2022 nem Donald Trump em 2020. Vou explicar por que começando com alguns tuítes do Rafinha Bastos[1].




Rafinha Bastos @rafinhabastos 27 de jul

“Se vc critica um, tá automaticamente do lado do outro”. Esse é o pensamento mais simplista e ignorante da discussão política atual. Cresce aí, caraio! (segue)

Rafinha Bastos @rafinhabastos 27 de jul

Exemplo: Concordo com muitas medidas econômicas do Bolsonaro. Acho importante a desburocratização do país e a reforma da previdência... mas ñ dá pra bater palminha pra uso indevido de helicóptero da FAB e nem pra nepotismo na embaixada em Washington. (segue)

Rafinha Bastos @rafinhabastos 27 de jul

Admirava a política social do governo do PT, mas tenho vergonha e raiva de toda corrupção que rolou durante os anos do partido no poder. (segue)

Rafinha Bastos

@rafinhabastos

Acho que uma boa parte do país pensa como eu. O problema é que a essa galera não tem saco pra discutir política, daí os radicais de ambos os lados dominam o debate. Fica parecendo que o país está em guerra, enquanto a verdade é que a maioria tá de boa.

21:11 - 27 de jul de 2019

Vou acrescentar um comentário dessa postagem[2]:




Luana

@luanaserra

Em resposta a @rafinhabastos

É igual nas universidades públicas. Acham que a galera toda lá gosta de gritar Lula Livre, fazer paralisação e cartaz de papel pardo. Mas, a maioria só quer se formar e vazar.

21:18 - 27 de jul de 2019

Sim, o Rafinha Bastos e a Luana estão certos na observação. Onde eles erraram foi na isenção. Ou melhor, no "isentismo".

2) O isentão

O "isentão" é alguém que viu o escândalo do Mensalão em 2005 e o do Petrolão em 2014 no Jornal Nacional pra dizer em 2017 ou 2018 que os problemas do Brasil são os apoiadores do Jair Bolsonaro e os leitores do Olavo de Carvalho. O isentão é, então, um eleitor do PT de 2002, 2006, 2010 e talvez 2014? Geralmente é. Então por que ele não defende o PT mais declaradamente ou de um jeito disfarçado menos burro? Primeiro: porque a imagem do único partido honesto não cola mais. Segundo: porque o isentão é um cidadão comum que vive de emprego de verdade; ele não escolheu ou não teve a oportunidade de ser um militante profissional ou ter um emprego convencional, através do movimento esquerdista, onde pode trabalhar pouco e ganhar muito (ou ganhar sem trabalhar). Terceiro: porque um cidadão comum não é militante de esquerda mesmo quando um grupo de esquerda se anuncia como defensor dos seus interesses de verdade ou, melhor ainda, consegue benefícios reais para a vida normal de pessoas do povo de verdade.

Jair Bolsonaro foi eleito com cerca de 58 milhões de votos, o que dá cerca de 40% do total geral de eleitores (142 milhões). Por coincidência, Lula e Dilma Rousseff já tiveram 60%, 70% de aprovação enquanto presidentes. Naqueles outros 60% que não votaram no Bolsonaro, estão aquela maioria que, como disse o Rafinha Bastos, "não tem saco pra discutir política". Sim, nós tivemos gente que votou no Lula e em 2018 votou no Bolsonaro, mas muito mais do que os que votaram contra o PT naquela época e em 2018 votaram em Fernando "Haddad É Lula".

Jair Bolsonaro pelo menos ganhou por maioria de votos. Donald Trump só é presidente dos Estados Unidos por causa do Colégio Eleitoral. Se a eleição lá fosse por maioria de votos, a presidente seria a Hillary Clinton, a Dilma Rousseff estadunidense. Então, o raciocínio que eu estou desenvolvendo aqui para o contexto brasileiro vale para os Estados Unidos também, a não ser quando o caso lá é ainda mais preocupante.

Quando o isentão tenta nivelar qualquer picuinha contra Jair Bolsonaro ou uma pessoa próxima a ele (que pode nem ser verdade) a um Mensalão ou um Petrolão, como fez o Rafinha Bastos nos tuítes citados, ele tenta acima de tudo esconder o seu próprio erro. O Mensalão foi denunciado e exposto na grande imprensa em 2005. Lula foi reeleito em 2006 com ainda mais votos que em 2002. Dilma Rousseff, a candidata do Lula que era uma burocrata obscura até o ano anterior, foi eleita em 2010 com ainda mais votos. A ideia do povo de maioria honesta tem algo errado. Por que as manifestações "contra a corrupção" só começaram em 2013, 2014? Porque só aí chegamos a uma crise econômica. Houve cidades onde funcionários públicos estáveis correram o risco de serem demitidos por falta de dinheiro pra pagá-los. E quem pensou que ia sair de um curso universitário onde entrou pelo sistema de cotas para um emprego fabuloso (ou que uma filha conseguiria isso) também estava lá nas manifestações porque "quebrou a cara". Faltou dinheiro até para o Bolsa Família e o FIES.

E essa parte da população é a maioria, ou a maioria inclui pessoas como essas. Alguns dessa maioria votaram no Bolsonaro porque, mesmo sendo alienados e amorais, foram um pouco mais espertos, perceberam que com o PT não podiam continuar.

3) Nem conservador nem progressista

Jair Bolsonaro é um bom homem, é honesto, parece ter sido um bom chefe de família e, mesmo um tanto atrapalhado e um pouco falastrão, é valente quando defende a verdade ou os valores cristãos. Se Dilma Rousseff pôde ser Presidente da República por dois mandatos, ele também pode. Apesar disso, ou por isso mesmo, ele não representa o povo brasileiro. O cidadão médio não é conservador, assim como não é "progressista".

Se você tem mais de 40 anos, você sabe por experiência que o que era regra em uma igreja católica, protestante ou evangélica na sua infância é quase inaceitável hoje. E vice-versa. Isso em termos de ideias e em termos de conduta. E também em termos de sexo. Antigamente, os cristãos tradicionais podiam ser criticados por confundir moral superior com dar as provas mais inequívocas possíveis de vida sexual precária. Mas especialmente os evangélicos eram reconhecidos como pessoas honradas até pelos maiores desafetos. Hoje, ou a igreja tolera mulheres com roupas provocantes no culto e mães solteiras e até homossexuais na membresia; ou encolhe e é vista como esquisita não no "mundo", mas no próprio meio cristão. Eu que já dei pra 309 homens daqui a pouco vou poder entrar em uma igreja evangélica, vou escolher uma das que já aceitam pastoras lésbicas. Pessoal, espero não ofender os meus leitores cristãos, mas eu precisava fazer essa piada. E o pastor evangélico que era visto como uma pessoa honrada hoje é visto como um vigarista semianalfabeto. E alguns pastores com pregações de pouquíssimo conteúdo bíblico, mas com uma vida nababesca, têm suas igrejas entre as maiores do Brasil com dezenas de milhares de pessoas em um só dos templos magníficos.

4) A esquerda, a direita e o cidadão

Mas os que pensam que os brasileiros são cristãos conservadores e querem o Liberalismo só são menos ingênuos, para dizer o mínimo, que os adversários deles, que pensam que os negros são latrocidas em potencial e que a mulher vê (ou deveria ver) o sexo hétero como violência contra a mulher. Eles já defenderam um governo com 7% de aprovação, o segundo mandato da Dilma, jurando que quem defendia a democracia eram eles. É só por isso que o Conservadorismo cristão não foi destruído não como corrente política expressiva, mas como ideia confessável. Por isso também Jair Bolsonaro foi eleito presidente: era ele ou a equipe de apoio da Marcha das Vadias. Antes, a esquerda tinha pensadores. O Conservadorismo e a direita nunca tiveram mais do que pregadores e "pin-ups"[3] que hoje conhecemos como "conservadias". Os conservadores cristãos e os "libertarians" só conseguiram alguma credibilidade quando os esquerdistas caíram a um nível intelectual ainda menor que o deles.

Outro problema é que os liberais-conservadores e os esquerdistas colocam do outro lado quem não pensa como eles mesmos, mesmo que não pense como o lado contrário. Eu compartilhei putaria no Facebook ou no Twitter, fui denunciada pela direita por nudez e pela esquerda... pela mesma coisa. A pornografia nos Estados Unidos é tratada pelos conservadores como problema de saúde pública (sério, eles juram que ver pornografia tem os mesmos efeitos de cheirar cocaína) e pelos esquerdistas como violência contra a mulher.

Portanto, a mera capacidade de observar a realidade está fora da disputa direita versus esquerda, pelo menos na parte dos discursos mais puros.

5) A esquerda vai voltar à Presidência?

Portanto, as eleições presidenciais de 2022 no Brasil e de 2020 nos Estados Unidos devem ser vencidas pelo mesmo grupo derrotado na eleição anterior ou, no máximo, pelo Centro. São três motivos principais.

1) Como vimos naqueles tuítes do Rafinha Bastos, o cidadão comum gostou do governo de esquerda pela parte social e do governo de direita (ou pechado como tal) pela parte econômica-administrativa. Se o governo Dilma Rousseff não tivesse somado "lacração" insana com administração desastrada, ela chegaria até 2018.

2) Nem a esquerda radical nem a direita têm a capacidade ou o interesse de ouvir ideias além das próprias, o que implica que o pensamento delas (ou o que tem o nome de pensamento) não vai gerar interesse em ninguém fora do grupo. Depois de uns 3 ou 4 anos sem uma esquerda louca na Presidência da República, ninguém vai garantir a eleição se dizendo de esquerda ou de direita.

3) Os direitistas e os conservadores não fizeram qualquer coisa funcional contra a esquerda, principalmente na área cultural. Eles fazem panfletagem, viralização de "hoaxes" sensacionalistas e alarmismo apocalíptico enquanto a esquerda tem ações e resultados de verdade, que eles explicam depois com conspirologia barata e mais panfletagem, tudo isso literalmente pregando a convertidos. O máximo que eles fazem é deboches contra os adversários que também são lidos praticamente só nos seus próprios espaços na internet.

6) Eu ia terminar aqui, mas...

E eu já tinha o que eu escrevi em mente antes da eleição presidencial na Argentina de 27 de outubro. Ganhou Alberto Fernández, que terá Cristina Kirchner como vice e já teve atritos com Jair Bolsonaro. A mesma Cristina Kirchner de esquerda que o atual presidente Mauricio Macri sucedeu e que deixou um estrago que ele tentou consertar.

Eu dizia que os brasileiros não são tão conservadores assim e eu ainda estava escrevendo quando vi esta matéria compartilhada por um amigo no Facebook[4]: "Pesquisa: evangélicos estão mais preocupados com dinheiro do que com questões morais"[5]. "O estudo foi publicado pela Comissão de Ética e Liberdade Religiosa da Convenção Batista do Sul, nos Estados Unidos, mas a sua realização foi do Instituto LifeWay Research. Os resultados chamaram atenção até mesmo de quem acompanha o debate público no meio religioso." Pra mim, confirmar o que eu digo em um texto enquanto estou escrevendo tem sido frequente. Qual o percentual de liberais ou cristãos conservadores que têm um índice de acertos coerente com a ideia de ser levado a sério?

NOTAS E REFERÊNCIAS:

[1] Rafinha Bastos, 27 de julho de 2019 às 21:11, https://twitter.com/rafinhabastos/status/1155269557327683590.

[2] Luana, 27 de julho de 2019 às 21:18, https://twitter.com/luanaserra/status/1155271193026543616.

[3] pin-up

Um termo antiquado para material sexualmente excitante (embora muitas vezes não explícito), como mulheres caucasianas atraentes e sorridentes, olhando para trás e ligeiramente inclinadas, ou deitadas de costas arqueadas.

(Urban Dictionary, https://www.urbandictionary.com/define.php?term=pin%20up)

[4] Amarildo Cândido, 18 de novembro de 2019 às 22:28, https://www.facebook.com/amarildo.candido.52/posts/1487722234699026.

[5] "Pesquisa: evangélicos estão mais preocupados com dinheiro do que com questões morais", Notícias Gospel, 01 de outubro de 2019, https://noticias.gospelmais.com.br/pesquisa-evangelicos-preocupados-dinheiro-122597.html.

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