segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Direita cristã, acabou! - parte 15: vamos comer Olavo de Carvalho

Abigail Pereira Aranha

Eu já tinha em mente o que eu vou dizer, mas eu fui escrever sobre outros assuntos que também estavam na fila. As minhas últimas postagens foram "Direita cristã, acabou! - parte 14" e "O machismo foi criado pelas mulheres - parte 10". Quem me acompanha no Facebook pode observar que eu posso passar dois ou três dias sem aparecer enquanto eu escrevo ou traduzo algum texto. Pois eu volto ao meu perfil e vejo a peleja do professor Olavo de Carvalho e um ex-aluno seu, Cassiano Tirapani[01], exatamente nesse tempo em que eu estive fora. O que só confirma o que eu já ia escrever.

A direita brasileira está agonizante. O que tem crescido no Brasil é a rejeição ao governo Dilma Rousseff, mesmo assim a partir de 2014, de alguns só depois que faltou remédio no pronto-socorro, dinheiro disponível para a bolsa universitária do filho ou até verba para o salário do funcionalismo público da cidade. Se alguma coisa parece ter mudado um pouco o estilo de vida do povão, se podemos ver esporadicamente alguém no transporte público falando de política, é só porque o governo Dilma Rousseff em particular, fim do primeiro mandato e o que já temos do segundo, fez uma dose pra elefante de bobagem. Os conservadores brasileiros acreditam, então, que têm uma chance de ouro de oferecer nostalgia da década de 1960 e fanfarronice mercantilista de neto de coronel só porque o governo Dilma Rousseff é um lixo e é facílimo criticá-lo. O que só prova o estado terminal da direita.

Eu já comentei nesta série "Direita cristã, acabou!" sobre os erros do pensamento ultraliberal-conservador-puritano em si, os erros de quem o prega e como, por isso, ele está afundando na irrelevância. Desta vez, o ponto é outro: como a desavença da direita contra Olavo de Carvalho é um exemplo, em si, da morte da direita brasileira. Você sabia que quando uma pessoa passa duas semanas sem comer, o corpo começa a consumir algumas das próprias células? É como a direita brasileira em relação ao prof. Olavo.

Bom, Olavo de Carvalho não é de direita, apesar de ser conservador.[02] Mas o que pode ser chamado de direita no Brasil deve a própria visibilidade a ele. Não é por acaso que ele não seja de direita: o projeto dele é "a formação de INTELECTUAIS CAPAZES E HONESTOS".[03] Se ele tivesse mesmo o projeto de criar um movimento liberal de direita, ele seria no máximo um Rodrigo Constantino ou um João Luiz Mauad (não só em estilo, também em visibilidade para o público geral). Exatamente por nos apresentar a esquerda como uma ideologia sociopolítica com ação cultural e preparar uma contracorrente no Curso Online de Filosofia que ele conseguiu abrir visibilidade pública para a direita, um exemplo da qual é o aluno dele Felipe Moura Brasil como um dos melhores colunistas do portal da revista Veja.

Para mim e para muitos leitores, Olavo de Carvalho foi a primeira leitura conservadora cristã da qual pouca coisa é rejeitável ou irrelevante para uma pessoa como eu, anarquista, ateia e contra a castidade, coisa que eu não vi não apenas em outros conservadores cristãos, também em quem eu teria mais afinidade aparentemente, como o Rodrigo Constantino, que é "libertarian" na economia e conservador em moral sexual, mas se diz ateu. Um exemplo meu: quando eu li o primeiro texto do Rodrigo Constantino que eu me senti à vontade para compartilhar no meu blogue na época, era 2010, o texto chamava os direitistas para votar no José Serra para presidente mesmo ele sendo esquerdista, só para Dilma Rousseff não ser eleita[04]; eu já tinha compartilhado em alguns grupos o artigo "Como debater com esquerdistas"[05] do prof. Olavo uns dois anos antes.

O mínimo que o prof. Olavo fez ao Brasil foi trazer o pensamento de direita ao grupo das ideias intelectualmente discutíveis. Vou pular a parte das perseguições, das represálias e das indignações que ele recebeu por isso da militância esquerdista formal, de professores universitários, de jornalistas militantes com algum renome e de nulidades na internet das quais as postagens mais acessadas em vídeo ou texto são as que "desmascaram" uma versão do professor, escritor e jornalista que é só a imagem e semelhança de suas próprias desqualificações. Meu foco, desta vez, é a direita.

No começo de janeiro, aconteceu como descreveu o Rodrigo Constantino: "Para quem caiu de paraquedas e não acompanhou o desenrolar da coisa, um resumo bem sucinto, até porque eu mesmo não fui aos detalhes completos: Kim Kataguiri, o jovem líder do Movimento Brasil Livre, fez algumas críticas a Bolsonaro, por sua (antiga) visão mais nacionalista e intervencionista, e teceu elogios a uma suposta 'esquerda democrática'. Seguidores de Bolsonaro reagiram com virulência, Kim tornou-se de repente um inimigo da liberdade, um vendido, e Reinaldo Azevedo veio em sua defesa. Olavo de Carvalho criticou a postura de Reinaldo, assim como seus ataques 'infundados' a Bolsonaro. Reinaldo respondeu com alguns textos. É mais ou menos isso."[06] É bem ilustrativo do que eu estou dizendo, não do caso em si, o título da postagem do Rodrigo Constantino: "Olavo, Reinaldo, Bolsonaro e Kim: com a liderança vem o fardo da responsabilidade. Ou: o inimigo é outro, e está no poder!". Vou explicar mais adiante.

Um mês antes, foi Leandro Narloch escrevendo "O erro de Olavo de Carvalho sobre a imigração".[07] Pérsio Menezes escreveu um texto bom, mas extenso, em resposta, onde ele mostra inclusive "a diferença primordial entre lidar com uma cadeira e lidar com a palavra 'cadeira'": "Olavo de Carvalho, Bolsonaro e os erros de Narloch sobre a imigração"[08]. Mas o próprio Olavo já arrebenta em uma postagem do próprio perfil do Facebook: "Não posso discutir com um semianalfabeto que não enxerga diferença entre ser tratado como escória e ser escória. É a diferença entre a opinião dos outros e a conduta real do cidadão — entre xingarem você na rua e você cometer um crime. Não tenho 'divergência de opinião' com o sr. Narloch. Tenho é a compreensão dos termos em jogo, que lhe falta por completo. Não é a diferença de uma opinião para outra, mas a diferença entre o conhecimento elementar e a ignorância radical. Não discuto com primários e semianalfabetos. Mando-os apenas de volta à escola."[09]

Mas ainda anteontem, Reinaldo Azevedo, antes grande amigo do Olavo, publica "Bolsonaro e suas hostes. Ou: O pensador que fundiu Platão com Dercy Gonçalves"[10], uma referência indireta àquele cujo nome não deve ser pronunciado. Só o título já diz muito (se não sobre quem escreve, sobre o conteúdo).

Ainda nas décadas de 1990 e 2000, Olavo de Carvalho humilhava os ditos intelectuais de esquerda, às vezes no próprio ambiente universitário. Assim, os intelectuais de esquerda, ou o mais próximo disto na época, tentaram matá-lo por falta de espaço na "grande mídia". Na década de 2010, a esquerda já não sabia lidar com os opositores reais, mesmo que estes fossem inexperientes, com pouquíssimos recursos e com alcance muito limitado, então só puderam, no máximo, enquadrar os opositores mais famosos dentro dos clichês e das difamações da própria propaganda (da esquerda). Por isso não acredito que os ataques contra Olavo de Carvalho vindo de quem se diz de direita sejam de uma esquerda infiltrada, porque não só ela não é tão inteligente mais, um ataque vindo de um governo com mais de 60% de rejeição e de uma militância bem criticada por gente que ela diz defender (como o Movimento LGBT por homossexuais ou o Movimento Negro por negros) tem mais chances de ser um tiro pela culatra.[11] É crise da direita mesmo.

Como disse o próprio prof. Olavo: "Sem vaidade ou presunção alguma, e levando em consideração tão somente o fato objetivo das previsões políticas acertadas que venho fazendo há vinte anos — um campo no qual simplesmente não tenho concorrentes –, não creio exagerar ao dizer que o anti-olavismo é a doença infantil da direita brasileira. Doença grave e mortal, que a induz a perder oportunidades e a desgastar-se em gestos teatrais inúteis, desprezando conselhos razoáveis só por birra, auto-afirmação pueril e mal disfarçado complexo de inferioridade."[12] O meio direitista-conservador, fora vários erros de conteúdo em si que eu já discuti em "Direita cristã, acabou! - parte 1"[13], tem problemas graves que são piores do que só desentendimentos exagerados por pormenores: deficiência de raciocínio analítico, raciocínio e discurso por clichês, reprodução das mesmas lendas urbanas de 20 ou 30 anos atrás, obsessão antissexual, distanciamento teórico e prático da vida cotidiana do cidadão mediano, hipersensibilidades, vaidades pessoais exageradas, falta ou erros crassos de previsão de acontecimentos gerais e de ações dos adversários e, por isso tudo mesmo, inveja de antiesquerdistas que conseguem resultados práticos. Um candidato democrata cristão à presidência, José Maria Eymael, é ignorado pelas igrejas evangélicas e católico-protestantes. Os colunistas clérigos nos jornais ou são escritores de devocionais fracas ou são esquerdistas enrustidos. Os grandes fóruns do pensamento direitista-conservador-ultraliberal no Brasil são grupos fechados no Facebook. E por aí vai. O sucesso do esquerdismo no campo das ideias disponíveis ou pensáveis aparece na quase inexistência de referências formalmente autodeclaradas de direita: só em termos eleitorais, o Partido Socialismo e Liberdade surgiu quase quando o Partido Liberal se fundiu ao PRONA e o Partido da Frente Liberal mudou de nome para Democratas. Então, o conservadorismo-liberalismo não-funcional só pode se alimentar do antiesquerdismo funcional como a obra de Olavo de Carvalho. Não é por acaso que os que o atacam dizendo que ele está nos Estados Unidos enquanto o Movimento Brasil Livre do Kim Kataguiri está fazendo alguma coisa aqui são os mesmos que dizem que 1) ele lidera uma seita que o idolatra com cartazes "Olavo tem razão" nas mesmas manifestações promovidas pelo MBL, portanto faz alguma coisa aqui; 2) usando as palavras do Rodrigo Constantino, "o inimigo é outro, e está no poder". Assim como o Capitalismo pode funcionar dentro do Socialismo, no Brasil e no mundo, o pensamento de direita pode ser uma cena da destruição mental-cultural brasileira produzida pelo esquerdismo.

NOTAS

[01] "Olavo: censura no Facebook, apoio a Bolsonaro e assassinato de reputações", Mídia Sem Máscara, 28 de janeiro de 2016, http://www.midiasemmascara.org/mediawatch/noticiasfaltantes/denuncias/16315-2016-01-28-19-37-03.html

[02] Ele diz isso, por exemplo, em "Direitista à força", Diário do Comércio, 19 de maio de 2014, http://www.olavodecarvalho.org/semana/140519dc.html

[03] "Propter vitam vivendi perdere causas." O antipetismo e mesmo o anticomunismo são apenas desenvolvimentos laterais do meu trabalho, cujo objetivo essencial é a formação de INTELECTUAIS CAPAZES E HONESTOS. Se, em nome do antipetismo e do anticomunismo, devo sacrificar o objetivo essencial, consentindo em endossar lendas urbanas em lugar dos fatos e da honradez intelectual, toda a minha obra e a minha vida se tornam automaticamente desprovidas de sentido. Quem me exige isso não é, decerto, meu amigo.

(Página de Olavo de Carvalho, 4 de setembro de 2015, https://www.facebook.com/carvalho.olavo/posts/539659266186152)

[04] Rodrigo Constantino, "Serra ou Dilma? A Escolha de Sofia", 18 de dezembro de 2009, http://rodrigoconstantino.blogspot.com/2009/12/serra-ou-dilma-escolha-de-sofia.html

[05] Olavo de Carvalho, "Como debater com esquerdistas", Diário do Comércio (editorial), 20 de junho de 2007, http://www.olavodecarvalho.org/semana/070620dce.html

[06] Rodrigo Constantino, "Olavo, Reinaldo, Bolsonaro e Kim: com a liderança vem o fardo da responsabilidade. Ou: o inimigo é outro, e está no poder!", 12 de janeiro de 2016, http://rodrigoconstantino.com/artigos/olavo-reinaldo-bolsonaro-e-kim-com-a-lideranca-vem-o-fardo-da-responsabilidade-ou-o-inimigo-e-outro-e-esta-no-poder

[07] Leandro Narloch, "O erro de Olavo de Carvalho sobre a imigração", 09 de dezembro de 2015, http://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/imigracao/o-erro-de-olavo-de-carvalho-sobre-a-imigracao

[08] Pérsio Menezes, "Olavo de Carvalho, Bolsonaro e os erros de Narloch sobre a imigração", 18 de dezembro de 2015, http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/16256-2015-12-18-23-07-18.html ou http://tercalivre.com/2015/12/18/olavo-de-carvalho-bolsonaro-e-os-erros-de-narloch-sobre-a-imigracao

[09] Original em https://www.facebook.com/olavo.decarvalho/posts/10153752124502192, citado 11 de dezembro em https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2015/12/11/concisao-escoria-e-narloch

[10] Reinaldo Azevedo, "Bolsonaro e suas hostes. Ou: O pensador que fundiu Platão com Dercy Gonçalves", 30 de janeiro de 2016, http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/bolsonaro-e-suas-hostes-ou-o-pensador-que-fundiu-platao-com-dercy-goncalves

[11] Para rirmos um pouquinho, vou relembrar um flagrante que eu dei em setembro de 2013. O Brasil 247 tentou debochar do então recém-lançado "O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota" na postagem "Tudo que você precisa ler para ser um idiota" (http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/113573/Tudo-que-voc%C3%AA-precisa-ler-para-ser-um-idiota.htm?ls-acm0=10&acid=772159). O autor da postagem foi tão infeliz que só nos comentários, 7 pessoas manifestaram interesse em comprar o livro (eu mostro os comentários em "Tudo que alguns esquerdistas precisaram ler para comprar o livro do Olavo de Carvalho", http://jornaldohomem.blogspot.com.br/2013/09/tudo-que-alguns-esquerdistas-precisaram.html e http://avezdoshomens.blogspot.com.br/2013/09/tudo-que-alguns-esquerdistas-precisaram.html).

[12] Citado 11 de dezembro em https://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2015/12/11/concisao-escoria-e-narloch

[13] http://avezdoshomens.blogspot.com/2015/09/direita-crista-acabou-parte-1.html

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