Já é otimismo falar em "restauração da alta cultura", nas palavras de Olavo de Carvalho, em um país onde a maioria dos universitários é analfabeta funcional. Isso sem entrar na questão de quando essa "alta cultura" existiu e como ela era. E também sem entrar na questão de como o processo de destruição dessa coisa gloriosa pôde acontecer por 20 ou 30 anos sem protestos visíveis de quem a conheceu pessoalmente na adolescência.
Vamos admitir que um governo federal tenha um plano eficaz para erradicar o analfabetismo funcional. Vamos admitir que, neste caso, esse governo não tenha um único analfabeto funcional nos 3 níveis mais altos. O plano não será executável. Por exemplo: nas coordenações das secretarias de Educação dos estados ou nas reitorias das universidades, dirão "querem tirar os negros e as mulheres das universidades". Porque a avaliação de um candidato a vaga em universidade não terá outro critério além do conhecimento. Daí, para que um candidato analfabeto funcional não entre, acabam as políticas afirmativas no processo seletivo; para que este candidato, se entrar, não seja diplomado, acabam as políticas afirmativas também na assistência estudantil. Mas estes que protestam não são necessariamente militantes de esquerda em uma artimanha contra o governo. Eles podem ser apenas pessoas que acreditam de verdade no que estão dizendo.
Mas vamos admitir que seja formada uma elite intelectual para uma guerra cultural pela restauração da alta cultura. Estou misturando termos do Olavo de Carvalho com a "guerra cultural" dos "olavetes". E vamos admitir que essa elite intelectual participe da vida universitária e ganhe os debates em universidades cheias de esquerdistas e analfabetos funcionais. Temos um outro problema: a única plateia possível além da própria elite intelectual e além dos próprios professores, estudantes e ex-alunos das universidades é a parte da população num nível ainda mais baixo que a classe universitária pelo menos em escolaridade.
Se o analfabeto funcional é alguém que não entende bem o que lê e representa a maioria inclusive das pessoas de formação universitária, o Brasil já tem só na parte intelectual uma situação onde é quase inviável alguém entender ou explicar qualquer coisa, e não só em tópicos de política. Juntando a parte ética e a parte cultural que são medíocres, já é impraticável qualquer projeto de nação acima da pobreza de espírito.
Os governos Lula e Dilma Rousseff foram os de mais corrupção, estupidez e recompensa à mediocridade da história da República. O que tivemos depois disso? O fenômeno do "isentão", a pessoa que se diz acima da divisão entre esquerda e direita, ou até da própria política, mas nunca se manifestou naquela época e acredita que o problema do Brasil é que nem todos gostam do PT. Portanto, alguém que junta a amoralidade com a burrice. A autocrítica não só está acima da capacidade moral e mental do povo brasileiro como um todo, mas está acima do que ele poderia suportar mesmo se não estivesse.
O Brasil chegou ao ponto em que quem nasceu antes de 1985 vai ter de lutar não para ter um país melhor, mas para ter o país que conheceu no tempo em que não discutia política. Mas isso não pode ser feito com um movimento de volta ao passado, como o Brasil Império, o governo militar ou algum tempo em que as mulheres, mesmo quando pensavam que era pecado ter um orgasmo na vida, ainda tinham uma aparência civilizada. Não apenas porque aquele cenário é inviável hoje, é principalmente porque nada daquilo é impeditivo daquilo que temos hoje que queremos mudar. Se fosse, não teríamos ido de uma coisa à outra. Na esquerda, qualquer secundarista sabe que a História não dá saltos, ainda mais em visão de mundo de uma geração inteira em relação à anterior. Só os conservadores pensam que mudar o mundo pra pior é tão fácil quanto a vontade de um ou dois multimilionários patrocinando três ou quatro líderes revolucionários saídos do anonimato.
Ainda sobre os conservadores, nós ainda temos o problema de que mesmo que seja verdade que os progressistas são os culpados por uma degeneração moral sociopolítica do Brasil (e realmente é), os próprios conservadores não fazem mais do que representar uma outra forma de burrice. Em geral, eles não imaginam coisas como moral, inteligência e maturidade como compatíveis com uma vida sexual ativa ou com a manifestação de heterossexualidade. Bom, na parte da vida sexual ativa, eles até podem compartilhar vídeos e postagens de redes sociais de homossexuais de direita, mas vários leitores meus já me disseram que não se sentem à vontade para compartilhar textos meus com amigos conservadores "por causa da sacanagem". Aqueles homossexuais de direita "quebram a narrativa" do Movimento LGBT e defendem o "livre mercado", então eles ajudam a juntar os preconceitos de netos de condenados pela Justiça do Trabalho com a ideia de que essa é a única forma possível de enfrentamento ou mesmo de discordância do Socialismo. Os conservadores aceitam o risco de divulgar mulheres antifeministas bonitas e descobrir depois que elas eram pobres de conteúdo ou de caráter, e dizer que elas se aproveitaram da beleza e às vezes da sensualidade para ganhar notoriedade; mas eles não têm tanto entusiasmo para divulgar escritos antifeministas mais substanciosos de mulheres licenciosas como eu ou de profissionais do sexo como a Yasmin Mineira ou a Mercedes Carrera. O máximo que o eixo do PT tem de oposição é um grupo que quer "quebrar a narrativa" deles sem quebrar os erros da própria.
A burrice, o preconceito, a inveja ou a repressão sexual podem ser coletivos, de uma cidade ou de um país. A formação do grupo social pode até ser um instrumento para favorecer os vícios pessoais dos indivíduos. No lado contrário, a inteligência e a virtude, e mais ainda descobertas técnico-científicas ou intelectuais, são em boa parte méritos de indivíduos ou de pequenos grupos de pessoas. Por exemplo, um Louis Pasteur com uma pequena equipe pode descobrir microorganismos patogênicos e vacinas enquanto países inteiros acreditam que as doenças têm origem sobrenatural, mas não vice-versa.
Mesmo que o Brasil ainda seja melhor que dezenas de países, o patriotismo é uma atitude (ou um sentimento) dispensável. Mesmo antes de termos maioria de semianalfabetos sem caráter nos postos decisivos, o Brasil não tinha muito que mostrar de honroso como nação (pressuposto que uma nação possa dar motivo de orgulho ao cidadão em vez de vice-versa). Se mesmo assim precisarmos ver o Brasil como a nossa casa, nós não temos o dever de consertar as besteiras de quem elegeu o PT 4 vezes. Assim, as pessoas com alguma grandeza que nasceram no Brasil podem se ver como parte e representante não da nação brasileira, mas da decência humana.
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Abigail Pereira Aranha no VK: vk.com/abigail.pereira.aranha
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