quinta-feira, 7 de julho de 2011

Doutores com Q.I.

Doutores com Q.I.

Nas seleções para pós-graduação, o “Quem Indicou” pode valer mais que o mérito acadêmico dos candidatos. É possível acabar com esse favoritismo?

Ana Aranha e Marco Bahé

Ninguém duvida do mérito acadêmico dos alunos aprovados nos vestibulares das melhores universidades do país. A disputa pelas vagas é tão concorrida que a aprovação exige meses de estudos e preparação exclusiva. A maior prova disso foi a comoção em torno do vazamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que pretende substituir os vestibulares como principal forma de acesso às universidades. Devido ao furto de dois cadernos de questões, o exame foi cancelado e 4 milhões de alunos esperaram dois meses para prestá-lo. Quem conseguir passar pelo filtro do Enem, entrar na universidade e se formar vai ter provavelmente de fazer um esforço diferente se quiser avançar para a pós-graduação. Em vez de virar a noite revisando o conteúdo de matérias para provas, vai ter de bajular um orientador, pedir cartas de recomendação, submeter-se a entrevistas cheias de critérios subjetivos para conseguir entrar num curso de mestrado.

Por princípio, uma seleção para a pós-graduação não pode ser como o vestibular. Exige conhecimentos específicos e capacidades de argumentação e abstração que uma prova de múltipla escolha não é capaz de captar. Por isso, cada curso de pós-graduação tem autonomia para selecionar seus alunos. O problema é que alguns abusam dessa prerrogativa e deixam a decisão na mão dos poucos profissionais que compõem a banca. Com a concentração de poder, começam os problemas. Nos últimos anos, candidatos entraram com ações na Justiça para questionar os métodos de seleção de cursos de pós-graduação das melhores universidades do país. As ações denunciam favorecimento de candidatos próximos a professores e sugerem que, em algumas das mais qualificadas bancas de seleção do país, o famoso Q.I. (“Quem Indicou”) tem um peso maior do que o potencial acadêmico na escolha dos futuros mestres e doutores.

Essa é a suspeita levantada pela candidata ao mestrado em política social na Universidade de Brasília (UnB) Arryanne Vieira Queiroz. Formada em Direito e delegada da Polícia Federal, Arryanne, em novembro, entrou com um mandado de segurança na Justiça Federal e um pedido de ação civil no Ministério Público Federal em que pede a suspensão do processo seletivo na UnB. Seu principal argumento é a falta de transparência. Quando soube que não havia sido aprovada na prova de conhecimentos específicos, Arryanne procurou saber sua nota com o objetivo de pedir a revisão de algumas questões. A UnB respondeu que as notas não seriam divulgadas. “Não faz sentido. Como posso recorrer sem saber se tirei 5 ou 0?”, diz Arryanne. “Não tinha elementos para argumentar. Fiz um recurso no escuro.”

O recurso apresentado por Arryanne foi recusado. Ao final do processo, ela teve outra surpresa. Descobriu que um dos dez candidatos aprovados é genro da coordenadora do programa de pós-graduação, Potyara Pereira. Com essa informação, ela decidiu entrar na Justiça. “Ele pode ter conquistado essa vaga por mérito próprio. Mas, como o processo é obscuro, fica a suspeita. Além de não ter direito a defesa, os candidatos não podem fiscalizar seus concorrentes.” A coordenadora da banca da seleção, Marlene Teixeira Rodrigues, diz que a professora Potyara Pereira não participou da escolha dos alunos para o mestrado em política social da UnB devido a sua relação de parentesco com um dos candidatos. “A professora Potyara pediu para ser mantida distante do processo”, diz Marlene Rodrigues. Ela afirma também que a divulgação das notas só é feita ao final do processo de seleção por causa de uma regra estabelecida no edital do concurso.

Não é a primeira vez que a UnB sofre acusações de favorecimento na seleção para a pós-graduação. Em 2005, o MPF moveu diversas ações contra a universidade devido à falta de clareza e objetivo nos critérios de escolha dos alunos de mestrado e doutorado. Segundo o procurador da República Carlos Henrique Martins, uma das denúncias foi motivada por uma pergunta feita pela banca do mestrado para antropologia. “Um professor queria saber como o candidato iria se manter financeiramente ao longo do curso. É um critério que não tem relação com o mérito acadêmico”, diz Martins.

Em 2005, a UnB firmou um acordo com o MPF e se comprometeu a mudar seus procedimentos. A promessa, aparentemente, foi esquecida. No edital para o mestrado em antropologia, ainda consta a exigência de uma “declaração de tempo e meios financeiros de que (o candidato) dispõe para cursar o mestrado”. José Pimenta, coordenador da pós-graduação do curso, diz que “ninguém vai deixar de entrar devido às condições financeiras”. Por que, então, a seleção ainda faz a pergunta? “Só para ter mais elementos sobre os candidatos”, afirma Pimenta.

Além da UnB, a pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também foi alvo de ações do MPF. Muitos dos processos de seleção da UFPE não tornavam públicos os critérios que seriam levados em conta pelas bancas. Entre os alunos da universidade, são muitos os relatos de favorecimento acobertados pela falta de transparência. Todos os depoimentos colhidos por ÉPOCA foram feitos sob a condição de anonimato. Os alunos têm medo de sofrer perseguição. A principal queixa é que seria preciso se aproximar de professores influentes para conseguir uma vaga. Segundo alunos do Departamento de Geografia, a pós-graduação seria “dominada” por grupos de professores que decidem, sem prestar contas, quem entra e quem sai. “Eu tive de passar um ano como aluna ouvinte até que um professor me ‘adotasse’. Eles só querem orientar quem já conhecem”, diz uma mestranda. “Se você vier de faculdade privada, então, há muito preconceito. Não é raro alunos tentarem mestrado em outros Estados, pois aqui há famílias dominando o departamento.” Segundo um candidato ao mestrado em Direito, mesmo com nota 8 na prova específica e 9 na de língua estrangeira, ele foi eliminado da disputa depois de dez minutos de entrevista. “Outros candidatos com pontuação muito inferior a minha nas fases anteriores foram aprovados”, diz.

Depois da ação movida pelo MPF, a UFPE elaborou parâmetros para todos os cursos. Passou também a exigir a publicação dos critérios em espaços de acesso público – como a internet. Entre as principais mudanças está o fim da exigência das cartas de recomendação. As cartas davam margem para que alguns candidatos fossem beneficiados só por causa do prestígio de quem os recomendava. As entrevistas também perderam peso. Elas não podem mais classificar nem eliminar candidatos.

Segundo o diretor de Pós-Graduação da UFPE, Fernando Machado, os problemas já tinham sido detectados antes da ação do MPF. “A ação serviu para acelerar um processo que acontecia lentamente”, afirma. “Cerca de 80% do editais lançados neste semestre já seguem os novos parâmetros.” Muitos professores da UFPE criticaram, porém, as mudanças nos processos de seleção. Eles argumentam que o acordo com o MPF feriu a autonomia universitária.

“Sendo uma universidade pública, a UFPE é obrigada a seguir os princípios da impessoalidade, legalidade e publicidade. Assim como o mérito como critério de acesso ao ensino superior”, afirma o procurador da República Antonio Carlos Barreto Campelo.

As medidas tomadas pelo MPF para tornar mais transparentes os processos de seleção para a pós-graduação são importantes para tornar o sistema menos suscetível a injustiças. Mas nem elas são capazes de eliminar totalmente a subjetividade na escolha dos candidatos. “Temos parâmetros claros, mas alguma margem de subjetividade sempre fica”, diz Romualdo Portela de Oliveira, coordenador da pós- -graduação em educação da Universidade de São Paulo (USP). A principal brecha para a subjetividade se abre quando o número de aprovados excede o número de vagas. Como há um número limitado de vagas por orientador, e os candidatos apontam seus orientadores no início do processo, a seleção final pode ficar a cargo do professor que está com excesso de alunos. Nesse caso, um candidato aprovado, com condições de cursar a pós-graduação, pode ficar de fora da seleção só porque o orientador preferiu trabalhar com outros alunos – talvez por uma relação anterior. “É uma discussão controversa”, afirma Portela. “Eticamente, é razoável que orientador e orientado não discutam antes, já que aí se estabelece uma relação privilegiada. Mas também é natural que alguns sejam próximos, devido aos projetos de iniciação científica na graduação.”

O uso da entrevista como um dos critérios de seleção também costuma gerar controvérsias. Há relatos de que concorrentes recebem tratamento desigual. Uma candidata a mestrado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que pede que seu nome e curso não sejam identificados, diz que foi prejudicada pelo entrevistador. Em 2006, depois de passar na prova de inglês e na de conhecimentos específicos, ela chegou à entrevista em décimo lugar numa seleção em que havia 20 vagas. “A entrevista começou, e percebi que o entrevistador estava empenhado em prejudicar meu discurso. Ele era agressivo e intimidador, interrompia minha fala para dizer: ‘Não é isso que eu quero saber’.” Segundo ela, havia outros professores na banca, mas só ele falou. “Foi um comportamento acintoso. Ficou claro que ele queria me prejudicar.” Depois da entrevista, a aluna caiu para a 21ª posição e ficou de fora da seleção.

Para tentar evitar favorecimento ou perseguição, a recomendação do Conselho Nacional de Educação (CNE) é que a entrevista não seja eliminatória e sirva apenas para somar pontos na classificação dos concorrentes. Mesmo assim, ela continuaria sendo estratégica, pois a distribuição de bolsas entre os aprovados costuma ser de acordo com a classificação. “O processo deve ter critérios claros e oferecer condições de igualdade”, afirma Paulo Barone, presidente da Câmara de Ensino Superior do CNE. “Mas não dá para exigir objetividade total. Avaliação de mérito é sempre difícil de medir.”

Como a objetividade total é impossível, a Justiça costuma dar razão às universidades nos processos movidos pelos alunos contrariados. Apenas os casos mais gritantes chegam ao CNE, que pode fazer recomendações aos cursos sobre os critérios de seleção. Há alguns anos, algumas universidades federais exigiam que o candidato ao curso de pós-graduação apresentasse uma empresa patrocinadora de seu projeto para conseguir uma vaga no mestrado profissional. Trata-se de uma modalidade de mestrado que está crescendo no país, na qual os alunos desenvolvem projetos voltados para o mercado. Segundo Barone, a exigência de uma “empresa madrinha” fere o princípio de igualdade de condições de acesso. Por esse motivo, as universidades começaram a perder ações na Justiça, e o CNE passou a desaconselhar esse tipo de critério de seleção.

Não há hoje no Brasil um órgão regulador dos processos de seleção da pós-graduação. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação, faz o controle da qualidade dos cursos. Mas não dá diretrizes para a seleção nem avalia os processos. “Esses questionamentos só estão acontecendo porque a demanda pela pós teve crescimento chinês”, afirma Jorge Guimarães, presidente da Capes. Ele tem razão. Na última década, as matrículas no mestrado e doutorado dobraram. O aumento da procura é reflexo da crescente escolarização da população e da demanda por mão de obra qualificada do mercado. Com mais gente competindo pelas vagas, porém, as universidades estão diante do desafio de aumentar a transparência da seleção para a pós-graduação para acabar com os feudos acadêmicos em um país que pede mais mérito e qualificação.

Comentários

Akihiko Manabe | SP / São Paulo | 03/12/2010 12:12

Pedido negado de Pós

Estou passando por algo parecido com a reportagem. Fiz minha Inscrição no doutorado na UENF e nem sequer meu pedido foi visto. Fui eliminado, pois alegam que minha carta de recomendação chegou com atraso. Só acho absurdo pagar por um processo seletivo, ter expectativas, sem ao menos te darem a chance de concorrer!!! Primeiro que a exigência da carta de recomendação fere a Constituição no quesito igualdade. Entrei em contato diversas vezes com a Universidade, e acredito que lamentar o ocorrido é um fundamento medíocre. Me pergunto pagar por um processo seletivo e não te darem o direito de concorrer, como se chama isso??? Nada é claro, o edital mesmo é mal formulado e deixa brechas para fazer o que achar conveniente... Ficar lamentando e dizer que ocorreram com outras pessoas também, acredito que seja pouco caso da adiministração, porque será que até hoje acontece sempre a mesma coisa? Será que os candidatos gostam de perder seu tempo e dinheiro para entrar em um processo seletivo e não concorrer? Será que isso realmente é justo? Não é a primeira vez que vejo acontecer coisas assim em processos seletivos, praticamente todo departamento faz isso, seleciona quem quer... Injusto é, mas infelizmente ocorre em todos os lugares!!! Até agora só perdi meu tempo tentando entrar em contato com a Instituição, a não ser pelo Vice-Reitor que me parece ser um cara muito honesto e digno, e me deu toda atenção e orientação necessária.

Artur | AC / Brasiléia | 25/01/2010 13:16

Residência Médica

Alguém pode me explicar porque nem mesmo os nomes dos aprovados nas Residências Médicas do Estado de Minas são divulgados?? Isso mesmo, nem os nomes, divulgam apenas o número de inscrição. Será porque a banca que faz a prova de seleção residência é toda da UFMG e as questões saíram do caderninho de estudos que está no xerox da FAculdade de Medicina da UFMG??? Será que eles não querem que se descubra que os alunos da UFMG são favorecidos em todo o Estado?

Prof. Felippe Jorge Kopanakis | GO / Goiânia | 22/01/2010 10:56

QI

Por duas vezes tive a infelicidade de passar pelo descrito na reportagem. Na seleção de Doutorado em Historia da UFG em 2005, fui preterito em nome de uma candidata esposa do elaborador da prova de linguas e irmão da elaboradora da prova escrita. A referida candidata nem ao mesmo tinha feito a qualificação do mestrado à época. O concurso foi cancelado quando disse que iria entrar com ação no MPF. No ano seguinte, ao fazer novamente minha inscrição, o coordenador disse sem rodeios "que eu não iria ser classificado porque era persona non grata no curso". Em 2009, ao concorrer ao doutorado em geografia da mesma universidade, na entrevista uma das professoras disse-me que eu estava perdendo meu tempo, pois a vaga já estava destinada a uma pessoa "mais idosa, para que pudesse se aposentar com melhores vencimentos no contra-cheque". Isto sem contar nos concursos para a carreira de magistério nas IES, que usam os mesmo critérios de QI nas avaliações didáticas. Como diz um professor, "o mundo acadêmico é como um castelo, cercado de um fosso sem água e com a ponte levantada: quem está dentro não sai, e quem está fora não consegue entrar".

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI108447-15223,00-DOUTORES+COM+QI.html

Comentários da Universidade Plebéia Revolucionária

A universidade é uma farsa. Filhinhos de papai e piriguetes que fingem que estudam, que sabem como tirar A em tudo mas não sabem o que estudaram no semestre passado. E agora, até a pós-graduação é uma panelinha. Claro, não são todos. Quem conhece esse meio por dentro sabe disso.

No final, vou colocar um vídeo do Luiz Carlos Prates sobre pós-graduação.

Beijos

Abigail Pereira Aranha

Pós graduação x incompetência

No passado, o diploma assegurava presença absolutamente garantida no mercado de trabalho para quem dele dispusesse. Dele, o diploma. Hoje, o diploma apenas garante, em alguns casos, que o sujeito possa entrar na fila para tentar uma vaga. Mudou. O ano está começando para muitos e reiniciando para outros cantos, e é preciso que as pessoas entendam que qualificação, primeiro se começa isso dentro de casa já na primeira infância, a qualificação pessoal e futuramente a profissional. A profissional também começa dentro de casa. Mas os já... taludos que estão na universidade precisam entender que esta universidade tem que ser feita com seriedade. Três horas de estudo depois das aulas em casa. Ah, mas eu não tenho tempo. Dê um jeito. Porque a incompetência gerada pelas universidades formou uma leva de brasileiros incompetentes. Daí a razão da multiplicação das pós-graduações. A pós-graduação é um atestado de que o cara não sabe nada, e ainda precisa da pós-graduação com os mesmos professores, nas mesmas escolas, do mesmo jeito, algo que é meramente simbólico. É preciso, gurizada, vocês, universitários, eles e elas, façam ao longo do curso universitário um curso paralelo. Pesquisas por iniciativa pessoal, estudos de toda sorte, toda ordem, por iniciativa pessoal. Agora reconheço, só faz isso, só fazem isso os apaixonados pelo que vão fazer mais tarde no mercado. Como a grande maioria só quer salário, dá nisso que anda por aí, incompetências multiplicadas.

http://www.youtube.com/watch?v=SSm1go8cE_0

Postado em 5 de março de 2009

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