Uma nação contra o Espírito Santo - parte 1: introdução e um exemplo do Brasil

Abigail Pereira Aranha

Antes de eu explicar o que é o pecado contra o Espírito Santo, vou lembrar que eu sou ateia e defendo a anarquia e a licenciosidade. Eu defendo a anarquia, que é uma forma de sociedade organizada (mas isso é uma longa discussão), porque eu não acredito na superioridade da hierarquia sobre a sensatez. Eu defendo e vivo a licenciosidade porque eu não acredito na superioridade do invejoso infeliz sobre o invejado que tem algum prazer. Mas eu digo isso não só para mostrar como o Cristianismo pode usar um discurso moralista e alguns cacoetes para praticar valores contrários aos que prega, como a arbitrariedade, a estultice, a inveja, a intriga, a mentira, a agressão, o homicídio e o ódio à verdade. Digo isso para ilustrar o assunto em questão (bom, eu ia só explicar que eu sou ateia, mas acabou saindo isso e foi muito bom ter saído assim).

Vamos à Bíblia, Mateus 12: 22-27:

Trouxeram-lhe, então, um endemoninhado cego e mudo; e, de tal modo o curou, que o cego e mudo falava e via. E toda a multidão se admirava e dizia: Não é este o Filho de Davi? Mas os fariseus, ouvindo isto, diziam: Este não expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos demônios.

Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos, disse-lhes: Todo o reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda a cidade, ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá. E, se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra si mesmo; como subsistirá, pois, o seu reino? E, se eu expulso os demônios por Belzebu, por quem os expulsam então vossos filhos? Portanto, eles mesmos serão os vossos juízes.

Mateus 12: 31, 32:

Portanto, eu vos digo: Todo o pecado e blasfêmia se perdoará aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada aos homens. E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro.

De acordo com o Novo Testamento e as doutrinas de várias igrejas cristãs tradicionais, o Espírito Santo produz o convencimento da verdade, e esse convencimento produz o arrependimento, a salvação, a regeneração e as boas obras. Se o Espírito Santo puder produzir isso, o pecado contra o Pai ou contra o Filho não fecha as portas para a salvação, como Paulo foi opositor do Cristianismo e acabou apóstolo. O próprio Jesus disse: "o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora" (Jo 6: 37). Então, qual é o pecado contra o Espírito Santo? A rejeição da verdade, mas da verdade em si, não uma objeção a alguns dados da realidade em particular.

Vou pegar mais um texto para explicar isso melhor, Mateus 13: 10-15:

E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes falas por parábolas?

Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem.

E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de mau grado com seus ouvidos, e fecharam seus olhos; para que não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam, e eu os cure.

Parábola é comparação. Uma comparação para explicar uma coisa desconhecida, uma comparação que funcione, precisa associar a coisa desconhecida a uma conhecida. Você vai ver as parábolas de Jesus e vai poder confirmar que as imagens são agrárias, pastoris, mercantis, alguma coisa cotidiana para aquele povo daquela época. Essa pergunta do verso 10, por exemplo, foi porque Jesus contou a Parábola do Semeador. Aí vem o ponto: como uma parábola como as que Jesus usava poderia não dar sequer uma iluminação fraquíssima, mesmo uma parte muito pequena da que o próprio método podia oferecer? Explicando melhor: como um público poderia ver uma série de imagens da própria vida cotidiana, como ilustração que alguém usou para falar de alguma coisa nova, e não entender nem vagamente? Como aquele pulo das imagens conhecidas para a coisa desconhecida pode falhar?

Se lembra de quando eu expliquei que não existe bom caráter sem inteligência e não há mau caráter que não se transforme em loucura ou burrice?[01] A rejeição à verdade acaba levando à incapacidade para percebê-la.

Quando uma nação quase inteira tem ódio à verdade, a vida de quem ama a verdade é um horror. Você pode ver isso no livro de Amós e no livro de Miqueias. Mas isso não é só pelo aspecto religioso, moral e até policial. O ódio à verdade na vida nacional também degenera a vida cultural, intelectual e psiquiátrica da nação. Uma nação que odeia a verdade também transforma o ridículo em estilo de vida.

Eu estava preparando essas palavras até aqui há pelo menos 7 meses, mas foi bom eu ter demorado. No dia seguinte ao da tentativa de assassinato do candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro[02] (6 de setembro), um jornal publicou esta charge[03] que ilustra o que eu estou dizendo:

A facada do desemprego e as facadas das contas que foram ilustradas aqui não são metáforas. Uma metáfora sempre compara uma coisa a uma outra de um tipo diferente com uma semelhança muito limitada que é usada como ilustração, e o objeto da metáfora é menos familiar ao receptor que aquilo com que esse objeto é comparado, ou a metáfora perde o sentido. Aqui, o autor compara uma facada real a uma facada simbólica, não vice-versa. Uma facada simbólica não pode ser entendida como símbolo sem a facada real. O autor iguala uma figura de linguagem do evento ao evento real, e faz isso com uma metáfora que precisa da compreensão do elemento não-figurado para compreender a figura de linguagem. Comparar as contas de um desempregado a uma facada poderia ser uma boa metáfora dirigida a não-desempregados, porque explica o menos familiar através do mais familiar. O contrário como foi feito foi um desastre.

Então, o J. Bosco é além de assassino, um débil mental. Bom, eu acho pouco provável que ele tenha ficha na polícia ou um homicídio praticado, mas eu digo que ele é assassino porque ele faz uma apologia a uma tentativa de homicídio. Mas de uma coisa nós sabemos: ele sabe desenhar. Mais ou menos nível Abigail P. Aranha, mas sabe, hehehehe. Isso ilustra que os inimigos da verdade têm em geral uma competência grande em algo específico ou várias competências, mas mesmo essas grandes habilidades só servem, ao final, para alimentar o ego, a inveja e a maldade deles, além de esconder as deficiências técnicas e profissionais em outras áreas. A guerra contra a verdade sempre acaba combinando mau caráter, decadência intelectual, decadência psiquiátrica e decadência de habilidade comunicativa.

Como eu comecei dizendo, eu sou ateia. Eu não acredito em Deus nem nas religiões porque eu amo a sabedoria e o caráter, eu amo mais do que dar pra três homens de uma vez e fazer piadas com a minha vida indecente. Mas você viu aqui eu mencionar mais textos bíblicos e melhor interpretados que em muitas igrejas. Isso pode ser um sinal.

NOTAS:

[01] "Boas maneiras em queixas de estupro", 02 de julho de 2015, A Vez das Mulheres de Verdade, http://avezdasmulheres.blogspot.com/2015/07/boas-maneiras-em-queixas-de-estupro.html; e A Vez dos Homens que Prestam, http://avezdoshomens.blogspot.com/2015/07/boas-maneiras-em-queixas-de-estupro.html.

[02] "Jair Bolsonaro leva facada durante ato de campanha em Juiz de Fora", G1, Juiz de Fora, 06 de setembro de 2018, https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2018/09/06/ato-de-campanha-de-bolsonaro-em-juiz-de-fora-e-interrompido-apos-tumulto.ghtml.

[03] Jornal O Liberal, 07 de setembro de 2018 às 07:00, https://twitter.com/OLiberal/status/1038003975193280513.