Uma mulher querendo usar uma roupa que mais mostra do que cobre já está virando sacanagem. E o pior é que sem sexo.
Que mulheres vestidas provocantemente não estão necessariamente procurando sexo, nós já sabemos. Elas já disseram ou dirão isso alguma vez a um homem, geralmente de uma forma desagradável. Mais do que isso, muitos homens podem contar casos que mostram que quase qualquer contato de um homem com uma mulher pode ser entendido como um assédio sexual. Eu mesma já soube de um caso de um quebra-gelo pelo Orkut com uma colega de trabalho que deu uma reprimenda do chefe no dia seguinte, mais duas brincadeiras com uma senhora (também pelo Orkut) que foram entendidas como assédio, outro de uma olhada mais demorada de um rapaz para uma colega de trabalho que foi entendida como "mal intencionada".
Uma mulher se dar ao respeito não está ligado à cobertura que a roupa dá, e nisso as manifestantes estão certas. Há mulheres com vários parceiros estáveis, mulheres que fazem sexo sem relacionamento estável e prostitutas que podem ser admiradas por várias qualidades. Também há mulheres virgens ou senhoras casadas "de família" que são odiosas. Mas eu pessoalmente não conheço uma vadia que mereça respeito por qualidades como solicitude, simpatia ou honestidade. Apenas na questão de vida sexual, nenhuma vadia é "puta" com homens (que são ao mesmo tempo) trabalhadores, amáveis, éticos e pobres.
Curiosamente, parece que as vadias / vagabundas têm uma coisa em comum com as "de família": acreditar que recusar sexo a um homem com quem não tem compromisso estável é autovalorização, ou mesmo caráter. Tenho discordâncias, confesso que um certo repúdio, em relação a uma mulher cristã devota que põe a falta de sexo e a vida sexual apenas no casamento como uma das principais medidas de moral e caráter. Mas admiro as evangélicas rigorosas porque elas são as que mais parecem ser o que são e pensam. Não concordo com o moralismo tosco quando ele existe, mas admiro a coerência.
Um dos cartazes da marcha de São Paulo diz: "é o meu corpo e eu faço o que eu quiser com ele". Por que raios todo movimento de mulheres que fala em "direito sobre o próprio corpo" é para defender o lesbianismo ou o aborto? Ou, agora, para defender o direito de uma mulher sair à rua seminua, na contradição de olha-como-eu-sou-gostosa e tira-o-olho-mané?
O "visto o que eu quiser" está tendo a ver menos com liberdade que com mau gosto ou exibicionismo. Assim como o "transo com quem quiser" está tendo a ver menos com liberdade que com mau gosto ou hipocrisia.
Estas passeatas são uma evolução tosca do feminismo com pelo menos dois pontos preocupantes. O primeiro é a vilanização dos homens. Não apenas os machistas e agressores, que, ironicamente, são, junto com marginais e mauricinhos, mais valorizados pelas mulheres que os homens que prestam, mais todos os homens, estes igualados aos outros. E o segundo é que cada vez mais sou levada a acreditar que, como já dito no A Vez das Mulheres de Verdade em "Vamos lutar contra o feminazismo", crimes contra a mulher estão sendo tratados cada vez menos como agressão e cada vez mais como algo do nível do desacato a autoridade.
Que o estupro é uma violência que deve ser repudiada, isso é certo. Tião Martins escreveu um artigo razoável sobre a marcha no jornal Hoje em Dia de 18 de junho com essa abordagem, e concordo com ele. O problema é que, para citar um exemplo, uma frase atribuída à feminista estadunidense Andrea Dworkin diz que "coito heterosexual é a pura, formalizada expressão de desprezo pelo corpo das mulheres". Se este não é o pensamento das feministas ou das mulheres em geral, nenhuma delas se deu tempo de dizer ao público, até onde sei - e, permitam-me dizer, está cada vez menos claro que elas pensam o contrário.
Abigail Pereira Aranha
Contra agressão sexual, "vadias" marcham em São Paulo
04 de junho de 2011 16h40 atualizado às 16h56
Vagner Magalhães
Direto de São Paulo
Cerca de 300 mulheres se reuniram na tarde deste sábado, na avenida Paulista, em São Paulo, para a primeira edição da "Marcha das Vadias" brasileira. Inspirada na "Slut Walk" canadense, termo similar em inglês, o protesto reuniu em sua maioria jovens e chegou a fechar parte do tráfego na avenida Paulista, sentido Consolação.
A ideia da marcha canadense aconteceu depois que um policial, durante palestra em uma universidade local, ter afirmado que as mulheres deveriam evitar se vestir como vagabundas para não serem alvos preferenciais de estupros. A palestra se deu em um momento em que os casos de estupro estavam em evidência no Canadá.
Com pouca roupa, apesar da temperatura em declínio, muita disposição e palavras de ordem, as brasileiras aproveitaram para se queixar da maneira com que são tratadas, principalmente quando saem vestidas mais à vontade.
Solange De-Ré, uma das idealizadoras da marcha brasileira, diz que entrou em contato com as organizadoras da marcha canadense antes de lançar a ideia na Internet.
"Elas receberam muito bem a nossa proposta e estamos aqui para mostrar que temos direito de andar à vontade sem sermos agredidas". Ela diz que assistir o notíciário vespertino dá uma ideia do problema. "É só ligar a televisão para ver o quanto as mulheres são agredidas. E isso com a complacência da sociedade", afirma.
Solange diz que já passou por algumas circunstâncias constrangedoras na rua, incluindo agressões verbais e morais. "Cheguei a responder dois processos por agressão. Eu faço artes marciais e algumas vezes reagi", disse.
Emília Aratanha compareceu ao protesto apenas de calcinha e sutiã, também com o objetivo de chamar atenção para a violência. "A gente tem de ter liberdade para andar à vontade, sem ser agredida", afirmou.
Camila Conti, diretora de arte de uma agência publicitária, veio com um cartaz pronto para a manifestação com a inscrição: "Violência e preconceito. Chega de engolir, tá na hora de cuspir".
"Nós já vivemos séculos e séculos e a situação mudou muito pouco. Cheguei a andar armada com um estilete, quando morava na periferia de Santo André. Fui incomodada muitas vezes quando voltava para casa depois dos estudos", disse.
Camila diz que não é favorável a uma hegemonia feminina, mas se diz contra a o viés violento com o que as mulheres vêm sendo tratadas. Alguns homens aproveitaram a movimentação para dar apoio à marcha. Outros, reservadamente, afirmaram que fazia tempo que não se via uma marcha tão bonita pela cidade.
A marcha seguiu até a rua Augusta e terminou na frente do teatro Comedians, que tem como sócios os humoristas Rafinha Bastos e Danilo Gentili. O grupo pediu boicote ao teatro por conta das piadas sexistas de ambos."
MAGALHÃES, Wagner. Contra agressão sexual, "vadias" marcham em São Paulo.
Terra, 04 de junho de 2011. Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5168629-EI8139,00-Contra+agressao+sexual+vadias+marcham+em+Sao+Paulo.html. Acesso em 04 de junho de 2011.
Protesto contra violência sexual
Marcha das Vagabundas invade o centro de BH em resposta ao preconceito sofrido pelas mulheres pela maneira de se vestir
Publicado no Super Notícia em 19/06/2011
GABRIELA SALES
falesuper@supernoticia.com.br
Cerca de 700 pessoas participaram ontem, em Belo Horizonte, da Marcha das Vagabundas como foi batizado o protesto organizado em resposta às declarações de um policial canadense que teria afirmado que as estudantes deveriam evitar se vestir como "vadias" para não serem vítimas de assédio sexual.
Na capital, o movimento feminino se juntou à Marcha da Liberdade, que pede a livre expressão para protestos como o que defende a descriminalização do uso da maconha. A marcha, que gerou confrontos em várias partes do país, foi liberada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira.
Ontem, durante o trajeto dos dois movimentos entre a praça da Estação e a praça da Liberdade, houve tumulto envolvendo cinco manifestantes que integravam a passeata pela liberação da maconha e homens da Guarda Municipal, em frente à sede da prefeitura. A confusão teria ocorrido porque alguns participantes tentaram ocupar as escadarias da prefeitura e foram impedidos pelos guardas, que dispararam spray de pimenta contra os manifestantes. Não houve feridos.
A Marcha das Vagabundas, que teve início na praça da Rodoviária, enfatizou a liberdade de expressão das mulheres. "Crimes de violência sexual contra a mulher não podem ser justificados por um simples pedaço de pano. As pessoas têm o direito de usar o que desejam sem serem estereotipadas", disse uma das organizadoras do evento, Débora Vieira.
Durante a passagem da Marcha das Vagabundas pelas ruas do centro da capital, as pessoas que paravam para assistir receberam flores e panfletos com informações sobre direitos da mulher.
Segundo o organizador do manifesto pela liberdade, Leonardo Pimenta, a iniciativa pretende sensibilizar o poder público. "Acredito que a mobilização nacional possa ampliar a discussão sobre a legalidade da maconha".
Ato ousado em Brasília
Cerca de mil pessoas participam da "Marcha das Vadias" em Brasília, no Distrito Federal. Apesar do nome, a passeata reuniu mulheres, homens e famílias. As roupas curtas e sensuais foram a peça mais vistas nas manifestações do Brasil. Em Brasília, algumas manifestantes ousaram e ficaram sem a parte de cima da roupa.
No início do mês, mulheres paulistanas foram as ruas para protestar contra o machismo. O evento contou com a participação de estudantes e familiares. Em Recife, cerca de 200 pessoas participaram no último domingo. Na capital pernambucana, os homens foram o destaque na manifestação. (GS)
Super Notícia, 19 de junho de 2011. Disponível em http://www.otempo.com.br/supernoticia/noticias/?IdEdicao=1424&IdNoticia=58480.
A marcha das vadias
O estupro de jovens em campi universitários não constitui novidade, em quase todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, estuprar colegas chega a ser quase uma tradição. Odiosa e revoltante tradição. No Brasil, já ocorreram dezenas de casos em Belo Horizonte, São Paulo, Rio e outras cidades.
Aqui, as autoridades universitárias, seguindo o exemplo de um ex-presidente da República, costumam fazer de conta que não viram, não ouviram, não sabem e não têm nada a ver com isso. Nos Estados Unidos, as universidades procuram evitar que os casos se tornem públicos. Mas no Canadá, que vive dando lições de modernidade ao resto do mundo, o assunto é tratado com seriedade.
Diante de uma série de casos de estupro no campus, em janeiro deste ano, a Universidade de Toronto decidiu escancarar o jogo e discutir abertamente com a sociedade uma série de medidas de proteção às moças. Mas lá, como aqui, também existem imbecis, e a Universidade convidou um deles para participar dos debates.
Sem querer ofender os verdadeiros animais, ao chamá-lo de quadrúpede, o policial Michael Sanguinetti aproveitou a ocasião para tornar público o seu pensamento (?) a respeito do estupro. Na opinião dele, as moças também são responsáveis pelo estupro que sofrem, quando diminuem o tamanho de suas roupas e aumentam o seu poder de sedução.
- Evitem se vestir como putas, se não desejam ser vítimas de estupros. Vocês são estupradas porque se vestem assim.
Só faltou dizer que o estuprador é a verdadeira vítima. E foi ótimo que esse bobão tenha comparecido e falado.
A exibição de machismo explícito do quadrúpede fardado foi como fogo morro acima: milhares de moças de Toronto organizaram e promoveram uma passeada de protesto, denominada por elas de "Marcha das Vadias", para informar a sociedade sobre os perigos que correm no campus e na cidade.
Com o nome de Marcha das Putas, das Prostitutas ou das Vadias, manifestações semelhantes contra a violência sexual estão ocorrendo em outras regiões do mundo: Estados Unidos, Austrália, Europa e, agora, em Buenos Aires e São Paulo.
Em alguns lugares, as meninas criaram sites e, durante a passeata, levavam cartazes e faixas com a frase: "Os verdadeiros homens não estupram". É quase certo que as garotas de Kiev, na Ucrânia, também vão fazer um protesto especial e mais significativo, porque é lá que os europeus endinheirados vão comprar hoje o tempo e o corpo das mulheres mais lindas da Europa.
Afinal, chamar de "putas" e tratar assim as garotas que lutam por igualdade de direitos é estratégia que vem sendo adotada pelos broncos de todas as latitudes, desde as primeiras manifestações feministas, em meados do século passado. E vale repetir: broncos e canalhas existem em todos os lugares.
Nos anos 60, a civilizada Paris, tão orgulhosa de sua liberdade, foi o cenário de um ataque delirante a uma jovem que passeava pelo mercado (Les Halles) de minissaia branca. Os grotescos arrancaram as roupas dela, todas as roupas, e só não a estupraram porque a polícia chegou a tempo. E, no seu depoimento, os valentes representantes do machismo francês alegaram que se a mulher saía assim às ruas é porque desejava ser possuída.
Precisamos, em Minas, de uma dessas marchas. Urgentemente.
Hoje em Dia, 18 de junho de 2011. Disponível em
http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/ti-o-martins-1.168/a-marcha-das-vadias-1.296799.
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